sexta-feira, 29 de março de 2019

Uma lesão ou anomalia cerebral pode nos transformar em pessoas más?


Uma anomalia cerebral pode nos transformar em pessoas más? Para muitos especialistas, pode haver uma predisposição. No entanto, um psicopata, por exemplo, sabe muito bem o que está fazendo em todos os momentos. Muitos disseram que Patrick Nogueira, o assassino que matou e esquartejou seus tios e primos em um chalé em Pioz, Espanha, tinha capacidades cognitivas e volitivas limitadas devido a uma anomalia cerebral. No entanto, o júri foi unânime. Entendeu que, como psicopata, ele sabia muito bem em todos os momentos o que estava fazendo, que havia uma clara intencionalidade e crueldade em suas ações. Este veredito, assim como a transcendência desta história marcada pela violência mais extrema, mais uma vez despertou o antagonismo na comunidade científica e criminológica. Uma lesão ou anomalia cerebral pode nos transformar em psicopatas capazes de matar? A maldade humana é explicada apenas em termos biológicos?

Cabe destacar que esta foi a primeira vez em que testes de neuroimagem foram apresentados para justificar um ato criminoso na Espanha. No entanto, os Estados Unidos há anos vêm avaliando estudos de medicina nuclear para

explicar por que alguns criminosos têm uma capacidade de autocontrole limitada. Com isso, é possível decidir se a pessoa deve cumprir a sentença em um hospital psiquiátrico ou em uma prisão.

A Associação Americana de Juízes, por exemplo, vem aceitando esses estudos há mais de 27 anos. O mais famoso foi, sem dúvida, o de Herbert Weinstein, acusado em 1992 de estrangular sua esposa e jogá-la de uma sacada. Os juízes, depois de verem as imagens cerebrais, entenderam que a presença de um cisto na membrana aracnoide poderia ter sido um fator importante na explicação dos motivos do crime.

No entanto, muitos psicólogos colocam o foco em um fato específico: os psicopatas não são simples pacientes mentais. Um psicopata sabe muito bem o que é errado e o que é certo.
A anomalia cerebral e os atos violentos: o que a neurociência diz
O assassino de Pioz passou por vários testes neurológicos. O PET, por exemplo, mostrou que o jovem teve baixa atividade neuronal em várias áreas do lobo temporal direito do cérebro. De acordo com

o próprio Patrick Nogueira, foi devido a um golpe que atingiu sua cabeça quando ele era adolescente. Ele também disse no julgamento que bebia álcool desde os 10 anos de idade e que sofreu bullying na escola.

Os psiquiatras indicaram que essa atrofia cerebral poderia ser um claro marcador de psicopatia e, como tal, o dano neurológico teve claras repercussões comportamentais. Estudos como os realizados pelos médicos Adrian Raine e Monte Buchsbaum, em 1997, já estabeleciam tais correlações entre uma anomalia cerebral e os consequentes atos violentos.

O caso Phineas
Um dos casos mais famosos da história da medicina é, sem dúvida, o de Phineas Gage
Em 13 de setembro de 1848, Gage fazia parte de uma equipe que estava construindo uma ferrovia para a empresa Rutland & Burlington, em Vermont.

Em um dado momento, a detonação de uma rocha foi realizada. O azar quis que, na explosão, uma barra de ferro de mais de um metro de comprimento se desprendesse e acabasse presa no crânio de Phineas Gage. Essa barra entrou no lado esquerdo de sua cabeça, passando por trás do olho e saindo do lado esquerdo de sua bochecha.
Ele não perdeu a consciência em nenhum momento. Falava e se movia normalmente. Foi levado ao consultório do Dr. John Martin Harlow, que depois de remover a barra de ferro e colocá-lo sob observação, descreveu aquele caso incrível.
Phineas Gage retornou à vida normal dois meses depois. Aparentemente, além da perda de um olho, não parecia ter mais sequelas.
Dizemos aparentemente porque o Dr. Harlow se preocupou em acompanhar esse caso por mais de 20 anos, descobrindo que o jovem Gage, psicologicamente, não era mais o mesmo. Ele se tornou agressivo, impulsivo, imoral e irresponsável (termos escolhidos pelo próprio médico).
Era outra pessoa. Foi de trabalho em trabalho e até fez parte de um circo. Até que finalmente, completados 38 anos, ele morreu. As crises epilépticas sofridas em seus últimos anos foram muito intensas.
Antonio Damasio, famoso neurologista, é um dos especialistas que mais se aprofundaram no caso Gage e na análise de seu crânio. Ele determinou que a lesão do lobo frontal podia alterar sua personalidade, emoções e capacidade de interagir socialmente.
O impacto da anomalia cerebral no comportamento de acordo com a psicologia
Muitas vozes dentro da ciência da psicologia admitem, até certo ponto, a relevância do impacto da anomalia do cérebro no comportamento humano. Isto é, pode haver uma predisposição para certos comportamentos, mas não uma determinação absoluta.

Ou seja, assim como explica o psicólogo e criminologista Vicente Garrido, uma atrofia ou lesão em um lobo cerebral não faz de alguém um sujeito “programado” para matar. Uma imagem do cérebro, por exemplo, não é um raio-x de um pensamento, nem nos diz o que essa pessoa fez ou pode fazer.

Existem diversos fatores e condicionantes. Além disso, quando falamos de psicopatia, deve-se notar que apenas uma pequena

proporção deles comete assassinatos. E a razão para isso é óbvia: eles podem escolher entre fazer o mal ou não.

O caso James Fallon
Um dos casos mais interessantes do estudo da neurobiologia do psicopata é o de James Fallon. Este neurocientista da Universidade da Califórnia em Irvine é um dos principais especialistas em personalidade psicopata. Portanto, não estamos diante de nenhum assassino ou qualquer pessoa que tenha cometido algum ato violento.

No entanto, o Dr. Fallon apresenta uma peculiaridade. Tem em seu cérebro o gene da psicopatia e uma alteração anatômica que corresponde 100% com esse tipo de personalidade. Além disso, em sua árvore genealógica há 7 assassinos, sendo um deles Lizzie Borden, uma mulher que assassinou e esquartejou sua família.

James Fallon
Até hoje, James Fallon leva uma vida normal, não cometeu atos criminosos, é uma das maiores referências no estudo da psicopatia e faz palestras em todo o mundo explicando seu caso. Que conclusão podemos tirar, portanto, sobre esse assunto? Uma alteração cerebral pode nos transformar em psicopatas? Pode nos levar a cometer atos violentos como o perpetrado pelo assassino de Pioz? A resposta ainda é delicada nos dias de hoje.

No entanto, não se pode negar que uma singularidade cerebral pode adicionar uma “certa” predisposição a determinados comportamentos, mas não pode nos levar diretamente ao universo do mal mais atroz.

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